Centro de Apoio à Pessoa em Luto

domingo, 10 de maio de 2009

Percursos necessários de dor

Quem lida de perto com pessoas que passam por perdas dolorosas, não poucas vezes sente a impotência pela incapacidade de fornecer determinadas respostas solicitadas. Infelizmente, não podemos voltar a fazer viver quem partiu nem destacar nenhuma receita mágica anti-dor porque, realmente, não existe.
Doi quando caímos no chão, doi quando nos queimamos sem querer, doi quando torcemos um pé ou entalamos um dedo... tem que doer quando nos bate a notícia da morte de quem nós gostamos. E como um ou um dedo passam por uma espécie de "luto físico", até voltarem ao estado de equilibrio anterior, também a ferida da perda de alguém necessita desse tempo, desse espaço. Atenção por isso às mensagens de patologização do sofrimento. Vivemos num tecido social anti-dor que faz do sofrer ora um tabu ora uma compilação de programas televisivos.


Os discursos dos "Grandes", curiosamente, também acompanham as mensagens implícitas da sociedade que nos rodeia...por isso atenção à próxima vez que ouvir o seu técnico dizer-lhe "...está num luto patológico... não é suposto estar a sentir isso".

Como a partilha de percursos de luto pode ser importante para aqueles que estão estão igualmente a passar por um processo de luto, deixo-vos com um relato na primeira pessoa. Até Sempre.

" Desde que me lembro de mim mesmo, a minha avó esteve sempre presente nos meus dias, momentos de brincadeira, de partilha e até algumas chamadas de atenção que eram precisas! (...) Ainda sinto o seu cheiro e os abraços apertados que faziam do meu dia o melhor dia. (...) Tudo corria bem, e parecia perfeito, até lhe ter sido diagnosticado cancro da mama - não queria acreditar, não nos podia estar a acontecer tal coisa… (...) Foi um tempo muito complicado. Primeiro veio a quimioterapia e todas as complicações que daí surgiram; depois a difícil operação e ainda tratamentos de radioterapia. Incrivelmente, a minha avó era a pessoa que mais dava força à família, dizendo que tudo ia correr bem - foi ela que rapou o seu cabelo e programou a ida a Espanha para comprar uma peruca que delicadamente penteava todos os dias para ir à rua. Muitas foram as vezes que a acompanhava ao Hospital para consultas ou para realizar tratamentos de quimioterapia. (...) Tempos difíceis vivemos… (...) Quando tudo parecia estar bem, melhor, novas complicações da doença surgiram: as temíveis metástases tinham-se espalhado por alguns órgãos vitais. A minha condição de enfermeiro, permitiu que, infelizmente, percebe-se o que se iria suceder, qual iria ser o fim desta luta constante que a doença determina! (...) Muitas foram as idas ao médico, exames realizados e a resposta era sempre a mesma. Claro que nessa altura a minha avó esteve na minha casa, onde todos os dias o seu estado geral piorava mas, como habitual, tinha um sorriso no rosto e tentava alcamar-nos quando todas as forças pareciam ter esgotado. Posteriormente teve algum tempo internada no Hospital, mas pediu para ir para a sua casa, pois consciente disse que era lá que queria passar a sua última fase de vida! Durante uma semana não dormi e fiquei todo o tempo com ela de mão dada enquanto descansava - a minha avó sabia que o que tanto temíamos estava prestes a chegar. Todos os dias pedia-me para lhe ler umas páginas da bíblia e juntos rezávamos, toda a família se envolvia e ali ficávamos a escutar, quem sabe as ultimas palavras dela! Na madrugada de 29 de Maio de 2008, de mãos dadas, sozinhos no quarto, a minha querida avó já sem conseguir falar, olhava para mim com os olhos mais abertos que nunca, queria-me dizer algo, e eu sabia o que era…tinha chegado o momento! Trémulo, cheguei perto dela e disse que estava com ela naquele momento e sempre. Juntos, demos um sorriso e assim foi o último momento… - Dias antes, toda a família tinha-se despedido, a minha avó fez questão de juntar a família toda em redor de sua cama e todos, de mãos dadas, dissemos umas palavras que jamais serão esquecidas, a minha avó disse: “não tenham medo, para onde eu vou todos vamos um dia, vou estar lá a olhar para vocês, e um dia iremos encontrarmo-nos novamente”
Todos os dias ao acordar lembro-me das suas palavras e acredito firmemente que esse dia vai chegar, acredito que a minha avó está num sítio magnífico esem dor, acredito que olha por mim. Quando tenho saudades dela, costumo usar o seu relógio, fico a ver os minutos passarem e sinto o seu cheiro…sinto que está perto de mim e isso conforta-me! Sei que, como eu, existem pessoas que sofrem com a partida de quem mais amam, mas acreditem, eles permanecem vivos enquanto nós nos lembrarmos deles. Olhem para o céu e agradeçam por termos tido a sorte de conhecermos pessoas tão especiais quanto eles, recordem bons momentos que passaram juntos e sorriam, eles gostam que assim seja! Esta é a minha história, Obrigado avó Catarina por me teres ensinado tanto e por seres a pessoa fantástica que és, um dia irei ver-te e juntos vamos dar o tal abraço que tanto gostamos".

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