Centro de Apoio à Pessoa em Luto

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O outro que habita em mim


O primeiro acto que fazemos quando nascemos é chorar. Esse choro reflecte uma necessidade biológica, mas também simboliza o choque que o recem-nascido tem em relação a um mundo completamente diferente daquele a que estava habituado inicialmente.

Á medida que crescemos, o sofrimento acompanha-nos na nossa vida, em experiências, em relacionamentos, em sonhos sobretudo na vivencia das emoções; penso que se reflectirmos bem vamos chegar à conclusão que o sofrimento é e será transversal na nossa vida. Por isso a pergunta que me faço é porque não estamos habituados a sofrer? Porque não aceitamos o sofrimento como algo que faz parte da experiência humana e sendo algo intrinsecamente nosso e individual?

No que diz respeito à perda de alguém significativo para nós, penso que um dos grandes problemas que contribuiu para o reforço do sofrimento centra-se essencialmente na ilusão que construimos de que o outro nos pertence.

Reparem, dizemos normalmente: “a minha mulher ou o meu marido”, analisando a frase, iremos reparar que esta se inicia com um pronome possesivo, o meu ou a minha, o que transmite um profundo sentimento de posse.

Ora os outros que nos são significativos não nos pertencem mas sim fazem parte de nós.

Os outros que nos são significativos, não o foram simplesmente pelo seu corpo, o seu cheiro ou o seu aspecto físico, mas sim por aquílo que foram e que representam para nós.

Os outros que nos são significativos, não o foram simplesmente pelas coisas materiais que nos deram, mas por aquilo que contribuiram para que sejamos quem somos.

Os outros que nos são significativos, não vão deixar de ser simplesmente porque partiram para um destino incerto; vão continuar a ser sempre significativos, porque vivem em nós, fazem parte de quem somos, daquilo que fizemos, da história que escrevemos, dos muitos sentimentos que partilhámos, das lágrimas que chorámos, enfim da vida que vivemos.
Gostaria de deixar uma palavra de esperança pois os outros que nos são significativos, afinal nunca os vamos perder de facto, enquanto viverem em nós.

Por isso gostaria de deixar uma palavra de conforto, pois o sofrimento de perda, depois de resolvido, transforma-se numa recordação reconfortante, que nos acompanha e nos aconselha nos nossos momentos mais solitários.

Gostaria também de deixar uma palavra de forte empatia, pois todos nós já sofremos, pois todos nós nos compreendemos através desse sofrimento, e sómente através da partilha dos nossos sentimentos, poderemos “cristalizar” o nosso sofrimento e transformar aquilo que nos faz sofrer, em algo que nos faça recordar e sorrir nostalgicamente, e nos preencha novamente o vazio que pensamos ter.

Por tudo isso aqueles que foram, continuam a ser e a viver dentro de nós até que nós sejamos quem somos, até que a nossa história perdure na eternidade das existencias.

“O que fazemos em vida, ecoa para a eternidade.”

3 comentários:

Ana Diogo disse...

Gostei muito do que li, penso que todos os que leiam este texto se vão identificar com ele.. pois todos nos passámos ou iremos passar por perder fisicamente essa parte de nós que são os nossos seres significativos. Perder alguém é uma dor imensa, contudo temos a lembrança do privilégio de termos convivido com esse alguém e de ele fazer hoje ainda parte de nós... Nunca estamos sozinhos,quando nos temos a nós mesmos, porque parte do nosso eu será sempre um nós cheio de recordações... Gostei muito mesmo...

Anónimo disse...

Quando perdemos alguém que amamos é extremamente dificil. O sofrimento da perda traz consigo a saudade e os dias tornam-se mais solitários tudo porque estamos habituados a ter aquela pessoa fisicamente por perto que nos dá força, nos escuta e nos faz sorrir...Faltando essa parte de nós, sentimo-nos inseguros, vazios porque a vida nos impõe uma mudança ,exige que continuemos e que nos adaptemos a uma nova situação. As tuas palavras realmente permite-nos pensar com clareza, que nascemos e em todo o percurso da nossa vida encontramos pessoas que nos "cativam", que nos marcam e que farão sempre parte de nós, da nossa história, mas que não nos pertencem, não nos pudemos agarrar a elas tipo ancoras temos que saber deixa-las partir sentido-as como parte da nossa ALMA.

Natacha Evangelista disse...

Simplemente...ADOREI!!!