Centro de Apoio à Pessoa em Luto

sábado, 24 de abril de 2010

Vidas desperdiçadas


Morri..... e agora estou a caminho do prugatório a reflectir na vida que vivi.


Cada passo que dou, no caminho que precorro é um momento que vivi e que reflito no que escolhi.


E caminho, penso e reflito....e caminho....penso....e reflito....
Até que chego ao prugatório e olho para duas portas; uma delas diz: sofrimentos a outra diz sofrimentos amargurados.


Bem, não sei o que fazer, e por isso mesmo penso um pouco sobre cada uma das frases e resolvo entrar na que diz sofrimentos amargurados.
E assim fiz....é uma sala enorme....com paredes pintadas de preto e um cheiro estranho a enxofre, no meio da sala uma arca bem grande de ferro, fechada com um cadeado. Mesmo em frente à arca estava uma chave que penso que deve de ser do cadeado que fecha a arca.


Dirigi-me até a chave, apanho-a sem medo e experimento a chave no cadeado; a chave entrou....e eu sorri....mas no instante seguinte senti um enorme medo em abrir a arca...
Abro ou não abro??bem se já morri pior é dificil....pensei eu...


Então mesmo com medo abri a arca....e dessa arca sairam algumas das minhas recordações...que ficaram a pairar no tecto da sala dentro de bolas de sabão....no fim sairam umas letras que formaram a seguinte frase: tempo de vida desperdiçada....


Isso fez-me ficar curioso....então começei a olhar uma por uma, as recordações dentro das bolas de sabão....
E vi coisas que já nem me lembrava....outras que fingia não me lembrar...outras ainda que embora me lembrasse muito bem, queria-as arrancar....
E vi coisas que me fizeram chorar....


As ilusões em que acreditei e me fizeram perder tempo da minha existência; as mentiras que escolhi acreditar; as perdas que tive na minha vida e que escolhi não resolver, os sofrimentos amargos que tenho no meu coração por medo de os entender, os fantasmas que me fizeram perder tanta coisa...tanta vida....o amor da minha vida....


Vejo o meu sofrimento, a pena que tenho de mim mesmo em ter sofrido, o tempo que passei a ter pena de mim mesmo e não fazer nada para mudar.


Vejo o meu sofrimento pelas escolhas erradas que fiz contra o meu próprio coração, o meu próprio sentir, os meus sentimentos de culpa em ter escolhido o errado quando sabia o que era o certo, em ter ido pelo caminho mais fácil porque é o mais cómodo quando eu sei que o caminho mais fácil nunca é o correcto.


Em ter perferido o trabalho, a carreira, aos afectos...em ter perferido as ilusões as mentiras, as verdades sentidas como verdadeiras....em ter perferido passar por esta vida e ter desperdiçado tantos momentos e instantes em vez de os aproveitar a simplesmente vive-los e senti-los...


Enquanto chorava...enquanto olhava para o tanto que desperdiçei neste momento único e mágico que é o milagre da vida..enquanto isso....senti-me desolado....senti-me com uma enorme responsabilidade em ter escolhido o que escolhi, em ter vivido como vivi, em me ter lamentado tantas vezes como me lamentei, em ter chorado por pena de mim mesmo tantas vezes como chorei, em ter escolhido acreditar sempre nos mesmos sonhos e ilusões em vez de os ir amadurecendo e os transformando e lutando por eles.....


Fiquei tão desolado que cai de joelhos em frente à arca...olhei para o tecto...e pensei para mim mesmo o que fiz eu à minha vida....
O tecto deixou de ser tecto....e um vulto que me acalmou cheio de luz desceu até mim pegou-me ao colo e levou-me para fora da sala....regressando à entrada das duas portas....o vulto sussurou-me ao ouvido...entra na outra porta e verás como tudo seria mais fácil....


Então entrei na outra porta...e era um enorme jardim...com um lindo lago bem tranquilo e calmo...e perto de uma bela árvore estava uma arca bem mais pequena do que a da outra sala....esta arca era de madeira e parecia bem mais frágil; além disso não tinha qualquer cadeado....abri a arca e sairam borboletas lindas...com cores tropicais...e elas traziam consigo as minhas mais belas recordações....


O amor da minha familia, o amor dos meus filhos....o amor do meu amor....os tantos momentos no mar e com a lua cheia....os mergulhos com alma que dei no mar em que me encontrei e te encontrei também........os tantos momentos de partilha.....os afectos intensos e temperados mas sempre genuinos e verdadeiros....sentimentos belos....sentimentos....nesta arca também estavam sofrimentos...mas estes sofrimentos ao contrários dos outros não me faziam mal, nem me faziam desperdiçar a minha vida, pois fizeram-me evoluir e progredir....afinal todas as recordações carregadinhas de afectos variados...


Poderia escrever tantas coisas....mas por mais que eu escrevesse ficaria sempre tanto por dizer....a mensagem que quero aqui deixar é que a vida faz-se vivendo...amando....lutando por viver...acreditando de coração e com muita fé no amor verdadeiro....isolarmo-nos por medo....ter pena de nós mesmos....sofrer sozinho para não incomodar ninguém.....ter medo de explusar os fantasmas.....queixarmo-nos a Deus que não tivemos na nossa vida o sopro mágico do amor....de nada vale se não tivermos a coragem de aceitar a enorme responsabilidade que temos na vida que levamos, nas escolhas que fazemos e nos sofrimentos que escolhemos guardar para não os resolver....


No fim da vida....de nada vale dizermos que deviamos ter escolhido o amor se de facto não o escolhemos, de nada vale dizermos que deviamos ter amado mais os nossos filhos se de facto não amamos, que deviamos ter vivido sem medo se de facto não vivemos.....o que importa é que enquanto estivermos vivos façamos com coragem a coisa mais simples da vida, e que por vezes nos esquecemos...que é simplesmente viver......


Dinheiro....carros....casas....carreiras....profissões....sonhos....ilusões....fantasmas....eternas indecisões....sentimentos de culpa....solidão....pena....sentimento excessivo de posse....amarguras....sofrimentos que nos fazem desperciçar a vida e nos fazem esquecer de vivê-la com simplicidade e muita verdade....sejam eternamente felizes é o que voz desejo do fundo do meu coração e da minha alma....mas não se esqueçam que para isso tem uma enerme responsabilidade...o de não perder a simplicidade e a verdade da vossa essência.

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