Centro de Apoio à Pessoa em Luto

domingo, 8 de novembro de 2009

Um tão breve adeus



Naquela manhã tudo foi diferente...


Levantei-me e decidi, ir ter com o teu corpo, ao sítio onde simbolicamente guardam o teu ser.
Apressei-me a tomar banho e a vestir-me (sinceramente são sei porque me apressei), como se tivesse marcado uma hora contigo; vaidoso que sou, vesti um fato como se fosse para um encontro formal, tratei da minha cara quebrada pela dureza de anos chorados, usei o meu prefume perferido e olhei para o espelho, para entender se estava tudo como eu queria. Incrivelmente nesse momento vi um resto de mim...


Um resto que restou das lágrimas que intensamente verti.
Um resto que restou dos sentimentos que vivi.
Um resto que restou do Ser que fui e que já não sou.
Um resto que restou da parte do absoluto da tua essência que deixaste em mim.


Ao vêr esse resto que restou; decidi continuar a contemplá-lo nostalgica e sofredoramente, e após 1 minuto que mais parecia uma eternidade no purgatório (sendo eu o meu próprio juíz); virei as costas ao resto que restou da sombra que fui e que nem isso já sou!


Com uma lágrima nos olhos, saí de casa e de uma forma revoltada comigo mesmo, bati com a porta em forma de protesto.


Saí de casa, e antes de ir ao nosso encontro marcado, decidi ir ter com Deus ( esse que nunca me abandonou, sempre me ouviu e que vive em mim mesmo).
Fui ter com ele a um dos meus sitios especiais (aqueles onde ele se revela para mim e onde em paz converçamos), a minha praia.


Era um dia com nevoeiro, com um cheirinho bom a marezia e com um frio arrepiante no ar, no entanto não chovia.
Fui até á beira-mar, toquei com as minhas mãos no elemento da eternidade, sentei-me, e deixei-me levar pelo mar. Esvaziei a minha cabeça, o meu coração, e simplesmente vivenciei o Momento Presente, o Aqui e o Agora.
Eu, deixei de ser eu; o mar, deixou de ser mar, e nós passámos a ser Deus, naquele Momento Presente no Aqui e no Agora.


Ao contrário do inicio da manhã em que fui até ao purgatório e que o tempo levou uma eternidade, agora nesta praia, neste momento especial, o tempo deixou de ser tempo e passou a ser o Agora.
Converçámos muito (eu e Deus), no entanto isso deixo reservado para uma outra história.
O certo é que depois dissso, fui ao encontro do meu objectivo primário; ir ter contigo.
E assim foi...


Entrei no cemitério, dirigi-me para o sítio onde está o teu corpo, e olhei-o....
Perdi-me no tempo a olha-lo.
Perdi-me na metamorfoze interna do meu devir inter e intra subjectivo.
Perdi-me intensidade na tua recordação que sempre será eternizada pela minha eternidade.
Chorei; chorei muito intensamente; chorei com uma raiva luzente, chorei porque enfim... o que realmente vim aqui fazer, foi despedir-me.


Não despedir-me de ti; pois sempre viverás em mim!
Não despedir-me da tua essência, pois essa nunca perece.
Não despedir-me das nossas recordações pois enriquecem o meu Ser.


- Meu amor vim despedir-me do meu sofrimento por ti!


Esse sofrimento que aniquilou a minha existência para uma não existência.
Esse sofrimento que abafou o Ser que fui, que já não sou e que nunca voltarei a Ser.
Esse sofrimento que manipula a minha existência para um vazio existencial.
Esse sofrimento que transformou a minha vida num mecanismo previsivel para não ter de sofrer.
Esse sofrimento que me fez encerrar em mim mesmo, sugando toda a beleza, alegria e amor que são intrínsecamente ligados à vida.
Esse sofrimento que rasgou as partes de mim mesmo em fragmentos.
Esse sofrimento que por ser tão intenso, substituiu a tua ausência no meu interior.
Esse sofrimento que me fez deixar de viver para simplesmente passar a sobreviver sem rumo e projecto.


Ora isso basta!!! Basta mesmo!!!


Vim aqui dar um GRITO DE LIBERDADE em relação a mim mesmo, que me faço sofrer pela forma como me recordo de ti!


Descobri que sou eu que me faço sofrer, nas malhas da ilusão de um sofrimento por ti.
Chega de me enganar a mim mesmo! Chega com esta cobardia de não aceitar o que tem de ser aceite porque já não ha forma de modificar. Chega de ter pena de mim mesmo nas profundezas do meu inconsciente. Chega de ter voluntáriamente renunciado à vida com a desculpa da tua morte! Chega de pôr as responsabilidade em ti, que tiveste de ir embora. Chega de não querer viver com medo de voltar a sofrer. Chega de desperdiçar esta dádiva dívina que é a vida, a nossa liberdade, a nossa autonomia e força de Ser e de estar no Aqui e no Agora.
Revoltado e conscientemente digo que basta!


A partir de hoje escolho o melhor de ti e o melhor de mim mesmo para voltar à vida e a Ser.
A partir de hoje escolho recordar-te com um sorriso nos meus lábios por tudo o que vivemos e o que me deste.
A partir de hoje escolho guardar-te sem sofrimento na evocação dos nossos sitios e momentos especiais.
A partir de hoje escolho voltar a reconstruir-me, a projectar-me positivamente no futuro, a viver intensamente o Aqui e o Agora.


A partir de hoje escolho, escolher-me!


Afinal nesta despedida, não me despedi realmente de ti, mas de mim mesmo num tão breve adeus.
NAMARIE

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