Centro de Apoio à Pessoa em Luto

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A minha outra existência (primeira parte)


Persenti que estava próximo o tempo de partir; sei que não é assim com toda a gente (por vezes nem tempo temos para sentir a percepção final), mas sei que foi assim comigo...

Assustei-me; não ... para dizer a verdade entrei em pánico pois não sabia para onde ia, nem o que ia encontar, nem como seria essa viajem.

Tudo o que sabia, é que quem partia não regressava, pelo menos não da mesma forma que nos habituamos a conhecer.

Tudo o que sabia é que ia para um lugar diferente daquele que conheço.

Tudo o que sabia, é que não tinha escolha e que teria mesmo de partir.

Mas sabendo tudo isso, apercebi-me que sabia muito pouco.

Apoderou-se de mim um misto de medo por não saber para onde vou e uma saudade apertada de todos os que tenho no meu coração, mesmo antes de partir.

Todas as certezas que tinha, passaram a ser uma neblina construida racionalmente e com nuvens densas de poderosas emoções encerradas no cofre da minha alma.

Tudo o que construi deixou de fazer sentido para mim; daquele momento a única verdade que existia era as pessoas que faziam parte do meu coração e que me ajudaram a trilhar a estrada da vida

Tudo o que possuía, deixei de possuír e tudo o que partilhei passou a existir, cristalizado na minha essência.

Tudo o que tinha deixei de ter; tudo o que sou continuei a ser...

Mesmo antes de partir nesta viajem, vi passar à minha frente todos os momentos significativos da minha vida; não faço ideia quanto tempo durou... foi como se visse um filme....isso também não é importante, o que te quero dizer é que nesse filme o mais significativo eras tu.... as emoções que partilhamos as histórias que vivemos os sonhos que perseguimos....

Não me despedi, porque era impossivel despedir-me, faria uma despedida de tal forma grandiosa que nunca chegaria a partir.

Simplesmente fechei os olhos, perdi a noção de tempo, de espaço, de história, de dor, sofrimento, saudade e de qualquer tipo de emoção; apoderou-se de mim o som mais forte do universo; o silêncio....

Até que de repente começei a ouvir o som do mar, depois ouvi umas gaivotas, cheirou-me a maresia, senti o calor do sol, voltei a sentir o meu corpo, abri os olhos e vi um céu azul como nunca tinha visto na minha exitência, levantei-me sem perceber onde estava.

Olhei ao meu redor e reparei que à minha frente estava um mar interminavelmente calmo, à minha esquerda o céu estava limpo e vislumbrei ao longe uma estrada feita de pedras que passava por entre as dunas, estrada essa que estranhamente cheirava a terra molhada, à minha direita o céu estava na sua hora mágica, com umas cores crepusculares que encheram a minha alma de alegria por ter visto tal beleza, não tão longe como a estrada de pedra, reparei que perto de mim existia uma floresta densa, com árvores de tal forma altas que alguns dos seus ramos pareciam pinacúlos; por trás de mim existia um deserto árido e desafiador, olhei para o céu e o sol estava bem forte e tórrido.

Mesmo continuando sem a noção do tempo, deparei-me com a minha primeira decisão, e mesmo se decidisse permanecer no mesmo sítio, mesmo assim essa não decisão, já seria em si mesmo uma decisão.

No entanto escolhi sentar-me e contemplar o mar à minha frente, enquanto que por vezes olhava para as cores mágicas da hora crepuscular à minha direita.

Não faço ideia quanto tempo estive ali a olhar, a comtemplar, a fugir da decisão, tentar uma reflexão, a rebuscar o meu coração.... e foi aí mesmo, quando a minha introspecção começou a entrar nas minhas emoções e trazer de volta os sentimentos encerrados no meu coração, foi nesse exacto momento que me levantei e comecei a caminhar para a floresta que estava à minha direita sob as cores mágicas daquela eterna hora crepuscular.

Até a pouco tempo ainda estava para saber se começei a caminhar por escolha, por medo, por intuição, por ter receio de me emocionar com o que tenho no coração, por ambição, curiosidade.... não sabia porque começei a andar nem porque fui para a direira.... mas foi o que de facto aconteceu.

Assim fui...caminhando com calma pois não tinha pressa, com receio por não saber o destino, com prudência porque não estava a perceber nada, com um vazio no coração pois faltavam muitas partes de mim encerradas no mundo que deixei para trás.

Antes de entrar na floresta que magicamente aparecia naquela praia, senti um desejo enorme de ter pelo menos alguém para me explicar o que raio se estava a passar, o que devia de fazer, para onde devia de ir, porque é que ainda não apareceu ninguém, nem nehum outro animal a não ser as gaivotas...naquele momento antes de entrar na floresta passou-me tantos pensamentos que fiquei quase que num estado embriagado de perguntas e incertezas....

Ri-me comigo próprio, pois afinal este sítio é como a vida que deixei para trás, as grandes decisões que temos de tomar, embora partilhadas, têm de ser decididas na solidão existencial do nosso mundo interno emocional.

Mesmo antes de entrar na floresta, além de ti, comecei a lembrar-me de muitos momentos significativos, não somente contigo mas com outras pessoas também tão importantes na minha vida como tu. Começei a relembrar de mim, da minha história de vida, dos meus sonhos, sofrimentos, enfim de tudo....e.....nostalgicamente e com muita ternura sorri (somente hoje sei porque sorri; mas isso fica para outra história); o meu coração começou a transbordar de coragem, a minha história de vida passada fundiu-se com este meu presente e entrei na floresta.
Depois do meu primeiro passo para dentro da floresta, parei, olhei para trás e deparei-me que; o que antes estava a trás de mim, agora ja não existia....tinha a certeza que somente tinha dado um passo, mas se de facto tivesse sido assim não poderia ter acontecido o que aconteceu... mais uma vez percebi que neste sítio as regras são outras; que eu ainda nem sei....

Decidi que o melhor seria esquecer o que estava nas minhas costas e começar a andar em frente...por muito bonito e significativo que tivesse sido o que estava nas minhas costas, agora deixou de estar e somente existe a floresta em todo o meu redor...

Comecei a andar em frente (seja la isso o que for e para onde me levar); e andei e andei e andei...sem nunca ter ganho a noção do tempo...e andei e andei e andei,,,, sem nunca me cansar ou ter sede ou ter sono.....e andei e andei e andei.....até que me questionei porque raio é que continuava a andar, até que foi ai que parei.

Sentei-me a olhar ao meu redor, e a paisagem que durante aquele tempo todo de caminhada permaneceu assustadoramente igual, de repente começou a mudar enquanto eu estava parado.

No meu lado direito apareceu-me um lago lindo, nem muito grande nem muito pequeno, era perfeito, e do meu lado esquerdo ao longe por entre as árvores reparei numa especie de gruta (pelo menos é o que me parecia, pois até hoje não sei bem o que era pois não escolhi o lago). Tanto um lado como o outro estavam sob o mesmo céu crepuscular.

Resolvi ir até ao lago; agora em passos mais firmes e apressados (pois já tinha um objectivo). À minha volta tudo mudou!

Deixei de ter lado esquerdo, direito e esqueci-me do que existia atrás de mim, estava focado somente no lago. Reparei que começei a caminhar cada vez mais rápido até que cheguei ao lago.

Voltei a sentir-me como uma criança que tinha ganho uma brincadeira imaginária.

Mas rápidamente isso mudou!
Quando cheguei lá não tinha um outro objectivo para continuar, não tinha outro sítio para onde ir (pois não havia caminhos e tudo era igual), não tinha nada para substituir aquele lago que ilusoriamente encheu o vazio do meu ser existencial perdido neste mundo onde não sabia as regras, nem os caminhos, distâncias....nada!!!

Pela primeira vez neste novo mundo fiquei desolado; angústiado; com medo; triste, apercebi-me que não faço mesmo ideia como isto funciona, seja isto o que for...

Deixei-me cair no chão com um semblante carregado; fiz com que um manto de depressão caisse sobre mim (pois somos nós os criadores tanto das ilusões como das depressões) e chorei....tristemente chorei....

Até que parei de chorar; enchuguei as minhas lágrimas olhei para o lago e reparei que depois de ter chegado ali, ainda não tinha contemplado verdadeiramente aquele lago ( tal como na minha vida antiga em que muitas vezes seguia focalizando os meus objectivos e quando os alcançava rapidamente substituia-os por outros sem nunca saborear sequer o objectivo alcançado ); e foi isso mesmo que começei a fazer, começei a contempla-lo, e ao começar a fazer isso, o meu interior acalmou-se, e no silêncio daquela floresta ouvi um choro complusivo que não era o meu.

Olhei ao meu redor e não vi ninguém; fiquei mais atento para ver se entendia de onde vinha o choro, até que me apercebi que o choro vinha do meio do lago.

Naquele momento, ao contrário do que já tinha passado, não me questionei de nada, nem dos perigos que podia correr e decidi apressadamente mergulhar no lago e nadei em direcção ao choro.

E assim fiz....

P.S – Caros amigos e amigas como este texto é muito grande resolvi reparti-lo e a continuação virá proximamente. Cumprimentos para todos.

1 comentário:

Dolores Spínola disse...

Lindissimo texto!!!
Pedro consegues sempre me surpreender, e me prender em cada palavra TUA. É um mistério o que sucede a quem parte para o outro lado, mas a tua perspectiva, a tua forma de descrever quase que parece real, quase que tornamos como nossa essa partida, essa procura, num impeto de descoberta, de compreensão.
Espero ansiosamente pela 2ª parte da "A minha outra existência".