A morte de alguém que amamos, seja bruscamente ou mesmo anunciada por doença prolongada, é uma amputação de nós próprios. Uma parte de nós morre na morte do ente querido, e a dor que salta dessa separação não tem um sinal inequívoco.
É mágoa, desorientação, dor funda que vem da alma e do coração, que nos tolhe os passos, o pensar, a vontade.
De certa forma, o luto é uma patologia. Uma depressão da qual nos libertamos aos poucos por mecanismos de catarse que nos vão paulatinamente separando o defunto. Todos os rituais fúnebres inscrevem essa estratégia de recuperação. A começar na câmara-ardente com a dissimulação da força corruptora da morte. O defunto está vestido, numa posição de repouso, o cheiro das flores escamoteia possíveis odores putrefactivos, familiares e amigos acompanham-nos com manifestações de afecto e evocações de aspectos da sua vida. Quer a semântica quer estes primeiros sinais de evocação são um principio libertador do luto.
Os ritos de separação são três: o velório, o cortejo fúnebre, o sepultamento. Todos eles se conjugam para provocar uma metáfora de vida, onde a força da ausência é escondida pela objectiva presença do corpo. Na sepultura o epitáfio (e a fotografia) remetem para a ilusão da vida.
Na maioria são escritos em discurso directo, enquanto as fotografias nas lápides mostram vivos, por vezes momentos de felicidade do defunto, outras ingenuamente mentirosas, vendo-se sepulturas de pessoas com 60 anos ou mais com fotografias que tiraram quando tinham 40.
As missas contribuem também para a realização do luto, pois marcam um calendário de separação com o mundo dos vivos. Aquele que descansa em paz, entre o espelendor da luz perpétua, é evocado ao 7º dia, depois ao 30º dia, depois anualmente até ao esquecimento e o retorno á vida o remetem definitivamente para um lugar da memória.
A imortalidade existe na memória dos homens, escreveu Teófilo Braga.
E mesmo para aqueles que acreditam na imortalidade de inspiração divina, não deixa de ser verdade que a memória, onde repousam os nossos mortos, é o canto mais doce da saudade inapagável enriquecendo a vida, entregando-lhe uma dimensão mais espiritual.
A vida é maior que a morte.
(in TVGuia, coluna Piquete, autoria Francisco Moita Flores)
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